Conto
- Matheus Silva
- 16 de jun. de 2015
- 2 min de leitura
Construções textuais com poucos personagens , enredo curto , um único espaço , tempo cronológico ou psicológico ,uma fato simples de caráter humorístico , emocional , ou reflexivo.

Principais representantes do conto contemporâneo :
Dalton Trevisan , Domingos Pellegrini , João Antônio , Luiz Vilela , Ricardo Ramos , Bernardo Élis , Caio Fernando Abreu , Murilo Rubião , Samuel Rawet , Moacyr Sciliar , Lygia Fagundes , entre outros .
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Casa de Vô
Todo avô toma remédio, usa dentadura e tira soneca depois do almoço. O meu, não. Não toma pílula nem xarope. E, à tarde, fica acordado, brincando comigo. Dentadura? Isso ele usa. Mas, de resto, é diferente. Minha avó também não é igual as outras. Enquanto toda avó borda e faz bolo de chocolate, ela só costura para fazer remendos nas roupas e só cozinha no fim de semana. E quase nunca está em casa. De calça comprida (enquanto todas as avós do mundo usam saia), sai cedinho para trabalhar e nos deixa sozinhos. Daí, o guarda-roupa dela vira elevador. Basta eu entrar e me sentar nas caixas de sapatos para vovô encostar as portas e, como ascensorista, anunciar: - Primeiro andar! Roupas e bonecas. Segundo andar! Balas de goma, móveis e crianças perdidas... A parede da sala é transformada em galeria de arte com pinturas emolduradas em fita crepe e, o tapete, em tablado de exposição de botões raros, que jamais combinariam com qualquer roupa normal. Ao cair da tarde, na garagem vazia, enquanto o papagaio e os cachorros conversam misturando latidos, uivos e risadas, ele espalha alguns pedacinhos de papel pelo chão. É a brincadeira do Pisei. - Hã? Como assim?, pergunto. Essa é nova. Vovô explica sua invenção: - Memorize onde estão os papéis. Feche os olhos e comece a caminhar. Tente pisar em cima deles. Pode ir perguntando "Pisei?" para facilitar. Ganha o jogo quem pisar em mais pedaços. Eu começo. - Pisei?, pergunto, dando o primeiro passo, apertando os olhos. - Não! - Pisei?, insisto mais uma vez, depois de caminhar um tiquinho. - Não! Ouço um barulho de chaves. Vovó chega, cansada, do trabalho. Diz "Oi". Sei que é para mim, mas não posso abrir os olhos para responder. É quebra de regra. - Tudo bem, vó? Quer brincar de Pisei?, convido. - Agora, não, minha riqueza. Vovó vai descansar. Vovô continua a me guiar, já sentado na cadeira de praia, lendo o jornal. Não vi, mas escutei o barulho dela sendo armada e das folhas nas mãos dele. Sigo. - Pisei? - Pisei? - Pisei? E nada. Sinto meus pés tropeçarem em algo. Abro os olhos. Vovô, a minha frente, de braços abertos, pronto para um abraço de vitória. - Mas eu não pisei em nenhum papelzinho, vô, digo, meio desanimada, mas já engalfinhada e feliz, nos braços dele. - O vento foi levando tudo para o cantinho do portão, ele explica, sorrindo. - E por que o senhor não me avisou? A gente poderia ter colado os pedacinhos no chão e recomeçado... - Porque eu queria que a brincadeira terminasse com você perto de mim.
Beatriz Vichessi, autora deste conto
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